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A Sala de Recursos Multifuncionais do Centro de Educação de Jovens e Adultos - CEJA Ana Vieira Pinheiro é um espaço onde o AEE- Atendimento Educacional Especializado acontece considerando as necessidades específicas do aluno para complementar e/ou suplementar a sua formação, identificando, elaborando e organizando recursos pedagógicos e de acessibilidade que favorecem a inclusão e eliminam as barreiras para a plena participação dos alunos com deficiência, fortalecendo sua autonomia na escola e fora dela.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Conheça Izabel Maior, uma mulher que adquiriu deficiência física na juventude, venceu os obstáculos e chegou ao Congresso

Uma história de lutas

Conheça Izabel Maior, uma mulher que adquiriu deficiência física na juventude, venceu os obstáculos e chegou ao Congresso

Por Marina Miranda / Foto Agência Brasil
Médica, professora e ativista. A incansável Izabel Maior, ex Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, tem um currículo extenso. A carioca que conheceu o bonde de São Januário, subiu em árvore e andou de bicicleta em pleno Rio de Janeiro dos anos 1950, se recorda com carinho da época de aluna no Instituto de Educação (hoje, Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro), à Rua Mariz e Barros, no bairro da Tijuca. Foi lá que se formou professora primária. Nesse período, era atleta do Clube de Regatas Vasco da Gama. "Sou vascaína! Fui nadadora infanto-juvenil. Não era um talento muito grande, mas dava para subir ao pódio."
De repente, a professora decidiu: seria médica. Durante a preparação para entrar no curso de medicina, conheceu um rapaz. "No curso pré-vestibular conheci um colega, que se sentava atrás de mim. Ele era muito inteligente e terminava os exercícios de física rapidamente, e isso me chamou a atenção." Uma gripe forte, duas semanas de cama e o cavalheirismo de repassar a matéria perdida: este foi o início de uma amizade que virou namoro, no primeiro ano de medicina e, casamento, nove anos depois. Claro que o fato do então amigo Cláudio Maior ter passado em primeiro lugar na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) contou pontos na lista de Izabel, que sempre foi boa aluna.

De quase médica à paciente
No quarto ano de medicina, a estudante começou a sentir constantes sinais de fraqueza e cansaço. "Às vezes, tropeçava quando corria e comecei a notar que algo diferente acontecia com a minha perna direita." Com recursos escassos na época - não existia ressonância em 1976 - os exames de Izabel indicavam que ela teria um tumor na medula cervical. "Fui internada para fazer uma espécie de punção, uma agulha entre as vértebras e o pescoço, para ver se o que tinha era líquido ou sólido. A punção não foi suficiente e sugeriram uma cirurgia de descompressão. A operação foi um fracasso absoluto, um erro médico, sem nenhuma dúvida." A aluna de medicina de repente estava sem os movimentos das pernas e dos braços.
"O que tinha era um leve prejuízo da perna direita quando corria, mas acabei sofrendo uma lesão parcial na medula, deixando-me sem os movimentos dos membros. Se não fosse pela sucessão de erros, não seria uma pessoa com deficiência", observa em tom duro. No Brasil, segundo ela, o diagnóstico foi de tumor cancerígeno e nos EUA, não foi conclusivo.
Depois da cirurgia, Izabel foi encaminhada para a radioterapia. "O cirurgião entrou no quarto, quando estava sozinha, chegou perto de mim e disse: "Olha, o seu tumor era muito grande e não conseguimos tirar, mas uma jovem sobreviveu fazendo radioterapia", revela. "Imagine, foi assim que eu soube de tudo. Um desastre total", complementa.
A tragédia tomou proporções maiores por conta da mãe, que estava com câncer e quase não pôde acompanhá-la durante o processo de reabilitação, assim como o pai, internado por conta de uma úlcera logo no início do seu tratamento. "Foi uma época muito ruim da minha vida. Hoje, falo disso com tranquilidade, mas imagine, com 22 anos ninguém está preparado." Uma cena do tratamento ficou marcada na lembrança de Izabel: "Estava no hospital, um marimbondo entrou no quarto.
Fiquei apenas observando-o e aquilo foi muito significativo porque o inseto não podia me fazer nada. Mesmo que me ferroasse, não iria sentir", relembra.
A ex-secretária diz ter se mantido firme, apesar da gravidade da situação. "Não acreditei que iria morrer, o que me ajudou muito. Isso, somado ao carinho da família e dos meus colegas." O curso foi concluído com o auxílio dos colegas de sala, que repassavam o material de aula, e pelo tempo de trabalho como "acadêmica clandestina" em plantões de obstetrícia e emergência nos primeiros anos de faculdade que, no final, a ajudaram a cumprir os requisitos práticos."Consegui concluir o curso com a ajuda dos colegas e com o apoio do Cláudio, que não me abandonou. Os relacionamentos acabam normalmente,mas no meu caso, não", ressalta
Passado o baque inicial, a ficha caiu, em 1977, quando Izabel foi transferida para a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), instituição fundada inicialmente para tratar pacientes com pólio, depois transformada em um grande centro de reabilitação de pessoas com lesão medular. "No primeiro momento, o que passa pela sua cabeça é que a vida acabou. O clique foi vindo aos poucos, à medida que escapei, que fui recuperando movimentos e meu pai conseguiu me acompanhar". A mãe, embora distante, também teve papel importante na reabilitação. "Minha mãe ficou uma noite comigo, com muita dificuldade, ela já sabia que não ia ter muito tempo de vida, a gente não dizia, mas ela sabia. Disse: "Mãe, quem tem de morrer sou eu, que não sei o que vou fazer da minha vida." Então, ela disse: "Você tem cabeça." Izabel encarou aquilo como uma ordem, na hora doeu, afinal o que se pode fazer com a cabeça, sem o corpo? Mas, o que ela quis dizer foi: "Use o que você tem, não abandone seus projetos de vida."

Reviravolta
O ano de 1977 foi marcado pelo falecimento da mãe, em abril, e pelo retorno dos movimentos, em maio, quando passou a usar uma bengala para se locomover. Foi também neste período que Izabel descobriu-se com talento para reabilitar corpos e mentes. Em vez de ser acompanhada por um psicólogo, passou à coordenadora dos pacientes em terapia da ABBR. Paralelamente deu aulas para os funcionários que não eram suficientemente alfabetizados e acabou, sem perceber, caindo de paraquedas no mundo das políticas públicas e do movimento pelo direito das pessoas com deficiência. "Os pacientes ficavam internados muito tempo, o mundo lá fora não era hospitaleiro. Em compensação estava nascendo a consciência do movimento das pessoas com deficiência e peguei essa efervescência com aqueles que estavam na reabilitação e com os funcionários."
Em julho do mesmo ano, Izabel pediu alta para terminar o curso de medicina. "Em 1978 consegui me formar com a minha turma". Retornou à ABBR, desta vez para fazer residência. No mesmo período, fez curso de Especialização em Medicina Física e Reabilitação da Escola Médica de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica (PUC RJ). "A consciência surge aos poucos e de repente você percebe que pode fazer algo, ser uma ponte entre os profissionais e as pessoas, e foi isso que me propus a fazer." A médica levou mesmo o papel a sério. O mundo não hospitaleiro teve de engolir uma mulher ávida pela luta. Ela atuou na Associação dos Deficientes Físicos do Estado do Rio de Janeiro (ADEFERJ); foi coordenadora do Programa Saúde Integral da Pessoa Portadora de Deficiência (SIADE), da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro; é autora do livro pioneiro em língua portuguesa "Reabilitação Sexual de Paraplégicos e Tetraplégicos", editado em 1988 (sua tese de mestrado em Medicina Física e Reabilitação, defendida na UFRJ); viu a inauguração do teatro Clara Nunes, o primeiro espaço com acesso para visitantes com deficiência, que teve os pacientes da ABBR como convidados de honra; tirou carteira de motorista; participou de quatro diretorias do Centro de Vida Independente (CVI); fez parte da ONG Rehabilitation International (da qual foi vice-presidente para a América Latina de 1996 a 2000); tornou-se professora da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (especialidade de fisiatria) e, neste mesmo período, em 1997, passou por mais uma prova:quando voltava de um evento da ONU, em Nova York, caiu no aeroporto e fraturou o joelho. A queda a impediu de voltar a andar, o que não foi suficiente para segurar sua sede por transformação. Ela deixou de atender os pacientes, mas tornou-se uma das mais novas professoras a dar apoio à Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), órgão do qual foi coordenadora, e que em 2009 ganhou status de Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência e teve Izabel como secretária até o fim de 2010.
Seu grande desafio na CORDE foi impulsionar o decreto de acessibilidade. "Já existiam as leis, mas sem o decreto não tinham finalidade", conta. À frente da coordenadoria, Izabel foi indicada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos para acompanhar os trabalhos de elaboração da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Ela garante nunca ter passado por injustiças ou dificuldades durante seu período na CORDE ou Secretaria. "Na verdade, o fato de estar na cadeira de rodas fazia a diferença. A presença de alguém como eu gerava mudanças por ter que haver preocupação com a acessibilidade."
Porém, enfrentou obstáculos como as insatisfações partidárias, por não pertencer a nenhum partido, embora seu cargo fosse considerado político. Hoje, Izabel tem certeza de continuar sua luta, seja ocupando algum cargo ou simplesmente como integrante em instituições. Ela acredita que há muito a fazer nas cidades interioranas, onde as questões de acessibilidade ainda estão mais atrasadas em comparação aos grandes centros. "Temos de brigar pelos nossos direitos, mas vejo o futuro com otimismo."

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